A sala do apartamento parece menor a cada semana. Era para ser um espaço de estar, como prometia o nome do cômodo, mas com o tempo passou a funcionar como depósito de tudo o que não se encaixa mais nos outros cantos. À direita da porta, junto à parede, encostei um sofá de três lugares, marrom-claro, manchado, com evidentes sinais de uso. Já pensei em cobri-lo com uma manta, mas ela sumiu em algum lugar do guarda-roupa. Esse móvel, aliás, tem gavetas de dois tamanhos: três mais largas, duas menores. Acima delas, um vão aberto onde costumo empilhar as roupas que tiro do varal e são as que acabam sempre à mão. Essa minha prática me levou a usar somente as roupas recém-lavadas, e há meses — talvez anos — que não vejo as que ficam nas gavetas. Uso sempre as mesmas peças, as que estão mais acessíveis e menos amarrotadas. Hoje o sofá serve mais como apoio: sobre ele, eventualmente, deposito algumas camisas que foram pouco usadas e que pretendo usar novamente, antes de colocá-las no cesto de roupa suja.
Em frente, na parede oposta, há
um móvel de TV antigo, de MDF escurecido pelo tempo. No espaço das prateleiras
que deveriam abrigar livros ou enfeites, acumulei caixas pequenas de papelão —
aquelas de entregas — com papéis não abertos, faturas vencidas, manuais de
aparelhos que nem tenho mais. Numa gaveta, repousam objetos indefinidos: um
controle de videogame, um estojo de óculos vazio e vários carregadores que não servem.
A televisão ainda funciona, embora o controle remoto esteja desaparecido,
talvez esteja embaixo ou nas frestas laterais do sofá.
Ao lado do sofá, há uma mesinha
redonda, com o tampo de vidro rachado numa das bordas. Embaixo dela, enroscado
nas pernas de madeira, um fone de ouvido inutilizado e um livro com a capa
dobrada que comecei a ler e não terminei. As plantas da casa ficam mais ao
fundo. Os vasos próximos à janela de correr, que dá para um prédio vizinho. A
luz entra pela manhã e aumenta no decorrer do dia. Isso acontece durante 6
meses do ano. Começa a entrar pela janela em feixes tímidos, no final de março
e finda em meados de agosto. As folhas das plantas, quando esqueço de regá-las,
ficam murchas, algumas amareladas nas pontas e o caule pende, encostando no
vidro.
O tapete da sala é retangular,
desgastado no centro, onde costumava haver passagem constante. Hoje, não há um
caminho definido. Entre a porta, o sofá e a TV, os objetos fazem uma espécie de
labirinto: caixas de sapato, uma mala média fechada e um banco de plástico
virado de lado. Há também um aspirador de pó encostado no corredor, mas
raramente é usado, porque é muito barulhento. A tomada próxima está com a capa
de proteção solta. O fio do aparelho se estende até a cozinha, atravessando o
chão da sala como uma linha de tropeço.
Nas paredes, antigas marcas de
quadros permanecem como fantasmas: manchas mais claras cercadas por ocre
desbotado. Um relógio quebrado permanece acima da porta, marcando 3h12 há
meses. Um prego solitário sustenta uma sacola de pano dobrada, onde antes ficavam
as chaves. A janela, embora grande, está quase sempre fechada. O vidro tem
marcas de dedos e respingos secos de chuva. Ao lado da janela, uma cadeira de
madeira com encosto curvo serve agora como cabide improvisado: um casaco, uma
bolsa com alças desgastadas, um boné sujo de tinta.
O chão, bege, está arranhado em
várias áreas, principalmente próximo às entradas. Um cesto de roupa vazando
meias e uma caixa de ferramentas que nunca mais foi fechada. É comum que
objetos passem dias ali, ao centro do cômodo, até que sejam empurrados para um
canto — não guardados, apenas deslocados. Em muitos casos, esqueço o motivo
pelo qual estão ali. Em outros, lembro com clareza demais.
O corredor que liga a sala aos
demais cômodos é estreito e nas paredes há marcas do tempo: arranhões, tinta
descascando próximo ao rodapé, uma tomada que range ao ser usada. Há dias que a
lâmpada dali pisca como uma pálpebra que tremula involuntariamente. O armário
do corredor, que deveria guardar toalhas e produtos de limpeza, está com a
porta emperrada. Em cima dele, caixas de sapatos, uma sacola de mercado cheia
de jornais antigos, e uma lanterna sem pilhas.
Na cozinha, as coisas não são
muito diferentes. Sobre a mesa de fórmica, vivem objetos que não pertencem à
cozinha: um ventilador, duas cartas ainda fechadas, uma revista do ano passado.
Os armários superiores estão desorganizados, com latas empilhadas de qualquer
jeito, vasilhas sem as tampas e muitas tampas sem vasilhas. Na parte inferior,
há um vazamento intermitente: panos de chão são deixados sob a pia como
contenção improvisada.
Há pouco barulho no ambiente,
somente os sons de funcionamento da casa — o motor da geladeira vibrando
intermitente, o estalo do móvel de madeira à noite. Às vezes, penso que os
objetos todos também fazem ruído. Um ruído que não se ouve, mas se percebe: suspeito
que exista alguém no quarto ao lado, mesmo em silêncio.
A ideia de arrumar tudo já me
ocorreu. Mas para onde vai o que se tira? Já tentei descartar alguns entulhos —
sacos de coisas que enchi e levei até o depósito do prédio. Por alguns minutos,
a sala parecia maior. Mas, ontem tropecei numa sacola com latas de cervejas
vazias, caí sobre uma garrafa de vidro e cortei meu cotovelo. O vizinho de
baixo reclamou do barulho. Eu senti vontade de chorar, mas não consegui. Me
sentei no chão entre as sacolas e os cacos. Acendi um cigarro, enquanto pingava
um pouco de sangue do cotovelo. Me senti estranhamente confortável por um breve
momento. O silêncio da sala era como uma cortina velha que não se lava mais.
Nenhum som vinha do andar de cima, nem da rua. Apenas o ruído contínuo da
geladeira e o tique do relógio parado acima da porta, continua marcando 3h12.
Aquela cena me lembrou, com certo
atraso, que no próximo sábado viria um pessoal da empresa aqui em casa para
tomar uns drinks e jogar alguma coisa. Imaginei os rostos constrangidos ao
entrarem, os corpos desviando das caixas, os comentários abafados. Olhei ao
redor — para o sofá ocupado por roupas, para o fio do aspirador atravessando a
sala como armadilha, para as plantas semiopacas no canto da janela — e percebi
que, para receber alguém ali, seria preciso mais do que arrumar. Seria preciso
abrir mão de partes que, aos poucos, passaram a me representar.
Peguei o celular e escrevi, sem
muita explicação: “Vamos remarcar?”. Apaguei a frase, digitei de novo. Depois
deixei o aparelho de lado. Talvez eu cancele. Por enquanto, apenas me levantei
com cuidado, recolhi os cacos maiores de vidro e coloquei-os num saco de pão. A
mancha vermelha no braço já tinha parado de sangrar. A luz da cozinha invadia a
sala e, por um instante, pensei em limpar tudo. Mas antes disso, sentei outra
vez no sofá. A TV, desligada, refletia meu rosto levemente inclinado.
Do lado de fora, agora ouve-se
gritos e risadas de crianças que brincam pelo condomínio...